sexta-feira, 11 de maio de 2018

Viver e escrever

                                     Clarice Lispector - foto: Acervo autora/IMS
Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranquila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.(...)
Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o facto literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exactamente o que me salvará da literatura. O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.(...)
Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.”
Clarice Lispector, in "Aprendendo a viver", Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.

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