quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Um ateu que recorre à Bíblia

Medo da Loucura Alheia
26 perguntas a Luis Fernando Verissimo: "Para um ateu, até que recorri com frequência surpreendente à Bíblia".
Entrevista realizada pelo jornal literário rascunho
"Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de Setembro de 1936. Aos 16 anos, mudou-se para os Estados Unidos. Lá, aprendeu a tocar saxofone, hábito cultivado até hoje no grupo Jazz 6. Antes de dedicar-se exclusivamente à literatura trabalhou como revisor e tradutor. É considerado um dos maiores cronistas brasileiros. Autor do clássico Comédias da vida privada. As suas crónicas são publicadas semanalmente em diversos jornais brasileiros. Vive em Porto Alegre.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Eu não queria. Não tinha a menor intenção de ser escritor e, até os 30 anos, nunca tinha escrito nada, salvo algumas traduções do inglês. Comecei a escrever quando entrei no jornal.
Quais são suas manias e obsessões literárias?
Tenho mania de entrar em livraria. Não precisa nem ser para comprar livros.
Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Leio os jornais diários e recebo publicações de fora, como a New Yorker, a Nation e a New York Review of Books.
Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?Algo o mais longe da realidade brasileira possível. Talvez Polyana.
Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Não ter prazo de entrega. O paraíso para qualquer jornalista.
Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Tempo, tempo, tempo e boa iluminação.
O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando se cumpre o prazo de entrega para o jornal sem ter precisado escrever muita bobagem, porque é mais rápida.
Qual o maior inimigo de um escritor?
A falta de assunto. O famoso “branco”, que pode ocorrer a qualquer momento e a qualquer um.
O que mais lhe incomoda no meio literário?
Eu frequento pouco o meio literário. Mas acho que padecemos da falta de uma boa crítica.
Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.O Ernani Sso, de Porto Alegre.
Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível, O grande Gatsby. Descartáveis, são tantos, inclusive alguns do próprio Fitzgerald.
Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A falsa profundidade, que muitas vezes é um mau disfarce do superficial.
Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Sei lá. O mundo da moda, provavelmente.
Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Para um ateu, até que recorri com frequência surpreendente à Bíblia.
Quando a inspiração não vem…
Chuta-se. Vale tudo para cumprir o maldito prazo.
Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
O dramaturgo inglês Alan Bennet.
O que é um bom leitor?
O leitor sempre disposto a gostar.
O que te dá medo?
A loucura dos outros, porque a minha eu controlo.
O que te faz feliz?Minha casa e minha gente.
Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?Eu costumo descobrir o que penso das coisas no acto de escrever, o que significa que sempre começo pela dúvida.
Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ser claro e, se possível, não chatear.
A literatura tem alguma obrigação?
“Obrigação” dá a ideia de ordem e compromisso, e acho que a literatura deve ser o oposto disso.
Qual o limite da ficção?
O ponto final. Até o ponto final, cabe tudo.
Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Pensando bem…Ninguém. Triste, né?
O que você espera da eternidade?
Ouvi dizer que a vida depois da morte é tão chata que só parece uma eternidade. Mas me serve."
Entrevista publicada no jornal literário brasileiro "rascunho", nº 192

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