sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Sobre o último livro de Eugénio Lisboa

     « La vérité du deuil est toute simple : maintenant que mam. est morte, je suis acculé       à la mort (rien ne m’en sépare plus que le temps ). » 
     « Mon chagrin est inexprimable mais tout de même dicible. » 
                               Roland  Barthes , Journal de Deuil  [p. 141, p. 187]


"Acta Est Fabula- Epílogo"  foi publicado em Novembro de 2017. Será apresentado na próxima segunda feira, dia 5 de Fevereiro, num acto tido como o corolário final do processo de edição de qualquer novo livro. Este constitui o sétimo volume da magnífica obra memorialística de Eugénio Lisboa: Acta Est Fabula. 
Eugénio Lisboa   aparece-nos , nesta obra, num registo que, sendo ainda memorialístico  , tem notáveis diferenças. Ditado pelo sofrimento , por uma dor que é  inexprimível mas sufocante , registou um pungente  diário de onde sobressai um doloroso diário de luto. Incontável mas incontida,  a  dor  perpassa por toda a obra, num grito inconformado,  que nos toca profundamente.  Descobrimos  um diarista,  que soçobra e resiste perante a adversidade e que, num tom  mais intimista ,  mais dorido, mais sofrido, mais confessional  e mais incrédulo, se confronta com a maior tragédia da sua vida  : a perda da mulher Maria Antonieta (MA). 
Um obra que nos  emociona desde a primeira página. Um livro sobre  a vida enquanto passagem , fonte de felicidade e de sofrimento atroz. Um hino de amor, uma homenagem sublime  de um homem que perdeu a mulher de uma longa vida partilhada. 
Tentar falar de uma obra é sempre um grande desafio. A maior e mais eficaz decisão é permitir que essa obra fale por si.
Retirámos do Epílogo, deste último volume de "Acta est Fabula", o  texto que se transcreve:

"No ano de 2015, as coisas, no plano doméstico, começaram a desandar, para nunca mais se recomporem. O Natal de 2014 fora já doloroso: a Maria Antonieta tivera de baixar ao hospital de Cascais, para ser submetida a uma intervenção cirúrgica, devido a uma fractura num fémur. Passei o Natal ou sozinho ou com ela, no hospital. A operação correu bem e ela foi-se recompondo aos poucos. No entanto, uma pequena ferida, num dedo do pé esquerdo, começou a dar motivos de preocupação. Entregue aos cuidados de um bom cirurgião do hospital, este, depois de um exame cuidadoso, observou que iria fazer tudo para lhe salvar o dedo (ou o pé…) – o que nos provocou um certo alarme. Fez-lhe um curativo, aplicou-lhe um penso e deu começo a uma série regular de tratamentos, no hospital e no Centro de Saúde do Estoril. Eu levava-a ao hospital e ao Centro, onde verificavam os resultados do tratamento e lhe renovavam os pensos. As semanas foram passando, sem grandes indicações de melhoras nem de pioras. Até que, em meados de Julho, tendo observado o estado da ferida, o médico pareceu mais preocupado do que era costume. Pediu então que ela fosse procurá-lo, nessa mesma noite, às 20.00 horas, nas urgências. Queria fazer-lhe uns exames. Aquilo pareceu-me ominoso e senti-me bastante inquieto. À hora marcada fui com ela ao hospital, acompanhado pela Geninha, que, entretanto, chegara de Roma, de férias. Depois de a examinar e de ter mandado fazer umas análises, disse-nos que seria aconselhável que a MA desse baixa imediata ao hospital, para observação mais apertada. Que os exames indicavam um ataque bacterial muito elevado e diversificado, o qual tornava necessário um tratamento e acompanhamento que só no hospital podiam ser providenciados. Ficámos, eu e a Geninha, com ela no hospital, até lhe arranjarem uma cama numa enfermaria. Nos dias que se seguiram, procedeu-se ao ataque, com antibióticos, à vasta frente de batalha bacterial.
Nesta altura, eu não o sabia, mas tinha começado uma corrida para o fim: o fim da MA, o qual seria também, de algum modo, o meu próprio fim. Não o sabia, não o suspeitava e não teria acreditado, se mo dissessem ou insinuassem. A MA estava ali e eu também e nada me dizia que a nossa vida em comum não estivesse para durar."
Eugénio Lisboa, in Acta Est Fabula, Epílogo , Editora Opera Omnia, Novembro de 2017,  pp. 13,14

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