quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Entardecer

Entardecer

Vejo as vermelhas caudas do crepúsculo
e o verde fulgor do mar.
Lenta é a tarde
e quero demorá-la em densas pálpebras,
consagrando-a à companheira imóvel
na melancólica quietude do casario
em que as consoantes são de espessa pedra e surda plenitude.
Neste murmúrio de sombra ainda tão solar
quero envolver-me cúmplice dos muros
e da côncava expansão do tempo,
até às praias distantes de um sossegado azul.
Assim me alongarei nas mãos da sombra imóvel
com o fogo do silêncio e a melancolia das colinas,
vivendo o instante de um dinamismo lento
em que estar é ser seguro na igualdade.
António Ramos Rosa, in Facilidade do Ar, Editorial Caminho, Abril de 1990
 


 


Pores do Sol
"Se eu fosse pintor , passava  a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário.
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos , quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros doirados e verdes(…).Tardes violetas , neste ar tão carregado de salitre que torna a boca  pegajosa  e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia  e os alicerces  dos velhos fortes  abandonados…
Um poente  desgrenhado, com nuvens  negras lá no fundo, e uma luz sinistra. Ventania. Estratos monstruosos correm do norte. Sobre o mar fica um laivo esquecido  que bóia  nas águas – e não quer morrer…
Há na areia uns charcos onde se reflecte  o universo –o céu , a luz, o poente. Não bolem  e a luz demora-se aí até ao anoitecer. E como o poente é oiro fundido sobre o mar inteiramente verde , que a noite  vai empolgar não tarda , os charcos, entre  a areia húmida  e escura,teimam em guardar  a luz  concentrada e esquecida.
Em todo o dia , o mar não se viu nitidamente. Névoa esbranquiçada, grandes rolos  de poeira  e sol misturados , água de que se exala um hálito verde envolvido nas ondas. Por fim, o Sol desceu e um nevoeiro imprevisto entranhou poalha de oiro no mar esverdeado, fantasmagoria e sonho nesta frescura extraordinária.”
Raul Brandão, in " Os Pescadores", Publicações Europa -América




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