quinta-feira, 13 de março de 2014

O Mar do meu país

O meu país tem Mar. Um Mar que se enraivece nos dias de tempestade. Um Mar  que se espraia, quando a tormenta se esvai. Um Mar que destrói  se o enfurecem. Um Mar que acaricia nos dias longos de Verão. 
O Mar do meu país é azul, quando o Sol o beija. Prateado, quando ama nas noites de luar e cinzento, quando a borrasca o atormenta. O Mar do meu país  muda de cor , cresce  e agiganta-se, mas nunca deixa de ser Mar. Fiel, inteiro, o Mar do meu país é português. 
E porque do Mar se vê o meu país  , o Fado lança-lhe  loas. 
Nas vozes maiores de quem tão bem o interpreta, apresentam-se algumas sugestões para preencher a pausa que  Livres Pensantes vai iniciar.
Escutá-las, talvez, permita acordar  o Mar que navega nos corações.
Até Abril.

O mar fala de ti :
Eu nasci nalgum lugar
Donde se avista o mar
Tecendo o horizonte
E ouvindo o mar gemer
Nasci como a água a correr
Da fonte

E eu vivi noutro lugar
Onde se escuta o mar
Batendo contra o cais
Mas vivi, não sei porquê
Como um barco à mercê
Dos temporais.

Eu sei que o mar mão me escolheu
Eu sei que o mar fala de ti
Mas ele sabe que fui eu
Que te levei ao mar quando te vi
Eu sei que o mar mão me escolheu
Eu sei que o mar fala de ti
Mas ele sabe que fui eu
Quem dele se perdeu
Assim que te perdi.

Vou morrer nalgum lugar
De onde possa avistar
A onda que me tente
A morrer livre e sem pressa
Como um rio que regressa
Á nascente.

Talvez ali seja o lugar
Onde eu possa afirmar
Que me fiz mais humano
Quando, por perder o pé,
Senti que a alma é
Um oceano.



Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração
Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar...contigo


Gaivota

Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa,
Esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.
Amália Rodrigues
Composição: Alexandre O'Neill / Alain Oulman


Meu amor é marinheiro

Tenho ciúmes,
Das verdes ondas do mar
Que teimam em querer beijar
teu corpo erguido às marés.

Tenho ciúmes
Do vento que me atraiçoa
Que vem beijar-te na proa
E foge pelo convés.

Tenho ciúmes
Do luar da lua cheia
Que no teu corpo se enleia
Para contigo ir bailar

Tenho ciúmes
Das ondas que se levantam
E das sereias que cantam
Que cantam p'ra te encantar.

Ó meu "amor marinheiro"
Amor dos meus anelos
Não deixes que à noite a lua
Roube a côr aos teus cabelos

Não olhes para as estrelas
Porque elas podem roubar
O verde que há nos teus olhos
Teus olhos, da côr do mar.



Barco Negro

De manhã, que medo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia.
Mas logo os teus olhos disseram que não!
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois numa rocha uma cruz
e o teu barco negro dançava na luz...
Vi teu braço acenando entre as velas já soltas...
Dizem as velhas da praia que não voltas.

São loucas... são loucas!

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros,
na água que canta no fogo mortiço,
no calor do leito dos bancos vazios,
dentro do meu peito estás sempre comigo.

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.
David Mourão-Ferreira


Até que a voz me doa

Cantarei até que a voz me doa
Pra cantar, cantar sempre meu fado
Como a ave que tão alto voa
E é livre de cantar em qualquer lado

Cantarei até que a voz me doa
Ao meu país, à minha terra, à minha gente
À saudade e à tristeza que magoa
O amor de quem ama e morre ausente

Cantarei até que a voz me doa
Ao amor, à paz cheia de esperança
Ao sorriso e à alegria da criança
Cantarei até que a voz me doa

quarta-feira, 12 de março de 2014

Nos Rastros da Utopia de Manoel de Andrade


Manoel de Andrade, poeta brasileiro,  foi uma das vítimas da Ditadura no Brasil. Exilado , percorreu cerca de dezassete países da América Latina, apregoando os seu ideais libertários e recitando os seus poemas. Desse tempo, sai , agora, um registo de um longo rememorar que nos transporta à época onde a utopia iluminava os trilhos da esperança num novo Mundo. 
Para Manoel de Andrade , o livro de Memórias,« " NOS RASTROS DA UTOPIA" é, acima de tudo, a longa crónica de um poeta que sonhou com o impossível, e cruzou tantas fronteiras, acreditando que pudesse mudar o mundo com seus versos. É também um convite a viajar por caminhos e por um tempo fascinantes, em que o sonho e a esperança comandavam os rumos da História. Um tempo em que se repartia a vocação solidária de um mundo melhor. Eis porque este livro é o quinhão da utopia que me resta

Acedendo ao convite do poeta, inicia-se a  viagem com a transcrição de  um pequeno excerto de NOS RASTROS DA UTOPIA", extraído de um dos Capítulos dedicado ao México: 

Um recital e muitos contactos 
" Voltei naquela mesma tarde e uma semana depois Julião foi à Cidade do México para abrir meu recital. Só então me dei conta do prestígio e da grande rede de amigos mexicanos e exilados latino-americanos que ele tinha na capital. O auditório do Instituto Mexicano-Cubano não cabiam mais que 70 pessoas e por isso estava lotado. Ali havia cubanos, exilados gualtematecos, um grupo de jovens mexicanos porta-vozes dos chicanos, um grupo de exilados nicaraguenses e no meio de tantos revolucionários, alguns poetas e intelectuais. O meu anfitrião Alfredo Sancho Colombari também compareceu levando convidados e, entre eles, um dirigente de teatro chamado Mariano Leyva Domínguez. O acto começou com a saudação que me fez o director da instituição, seguido pelas palavras poéticas e comoventes de Julião, falando da dramática situação política do Brasil, apresentando-me como um compatriota que, como ele, trazia o coração marcado pela dor e a nostalgia da pátria distante e que transformava em poesia a trajectória do auto-exílio, numa proposta de luta e esperança através da América. Poucas vezes me emocionei tanto, fosse pela honra recebida daquele grande combatente, fosse por saber que naquela assembleia estavam presentes companheiros marcados pelas mais legítimas cicatrizes de lutas. Depois da leitura dos meus poemas, coloquei-me à disposição do auditório para perguntas, mas um nicaraguense levantou-se e digirindo-se a todos sugeriu que eu falasse sobre os movimentos revolucionários nos países que já tinha passado. Essa conversa durou quase uma hora e depois dos abraços solidários surgiram dois convites:  o primeiro, dos nicaraguenses, para ir a Tampico, no norte do País, participar como poeta das comemorações do 37o  aniversário de morte de Augusto Cesar Sandino e o segundo, na pessoa de Mariano Leyva Domínguez, convidando-me para ir à Califórnia também contar sobre a América Latina para os chicanos.
         Meu recital no Instituto Mexicano-Cubano mudou todos os meus planos e meu projecto de esperar o término das férias para programar meus recitais nas universidades do México.  Nos dias que se seguiram entrei em contacto com alguns jovens do grupo da Nicarágua para integrar-me nas comemorações da morte de Sandino e planejar minha ida a Tampico. Um deles era o estudante de direito José Ovidio Puente. Havia também o sociólogo guatemalteco Edelberto Torres Rivas, filho de um escritor e revolucionário nicaraguense. Embora já não me lembre dos nomes de tantos contactos pessoais que tive com nicaraguenses naqueles dias, creio que  foram eles  os principais organizadores das homenagens a Sandino." Manoel de Andrade , in " Nos rastros da Utopia", Editora Escrituras, S. Paulo, Março 2014

terça-feira, 11 de março de 2014

Os Livros de Março

A Assírio & Alvim e a Fnac têm o prazer de o/a convidar para o lançamento do livro “Lusitânia”, de Almeida Faria, que se realizará no dia 12 de Março, pelas 18h30, na Fnac Chiado, em Lisboa.
No ano em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril, narram-se neste livro os surpreendentes acontecimentos que revolucionaram a sociedade portuguesa desde o domingo de Páscoa de 1974 ao mesmo domingo de 1975. Ao longo de um ano eufórico para muitos, assustador para alguns, a família de A Paixão e Cortes dispersa-se dentro e fora do país, comunicando entre si, antes da existência de telemóveis e e-mails, sobretudo por carta. O que dá a esta agitada narrativa, ora dramática ora divertida, um tom de paródia a certos romances do século XVIII, epistolares e libertinos. Sobre este livro, Pedro Mexia estará à conversa com o autor.
Apresentação do Livro - "A segunda morte de Anna Karenina" de Ana Cristina Silva, Editora Oficina do Livro
Início: Quinta, Março 13, 2014 - 18:30
Fim: Quinta, Março 13, 2014 - 19:30
Localização:
Sala de estudo António Paulo Brito, ISPA
A apresentação do livro - A segunda morte de Anna Karenina, da autoria de Ana Cristina Silva, será no próximo dia 13 de Março, pelas 18:30h na Sala de Estudo António Paula Brito (Centro de Documentação), no ISPA.
A apresentação do livro será proferida por Eugénio Lisboa, ensaísta e crítico literário português. 
Entrada livre.

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“Nova Teoria do Sebastianismo”  de Miguel Real, Editora Dom Quixote, nas Livrarias a 18 de Março.
«Nova Teoria do Sebastianismo é um ensaio que reflecte sobre o mito sebastianista como alucinação racionalmente falsa mas sentimentalmente verdadeira e nos dá a conhecer os autores que trataram o tema, desde Bandarra e Padre António Vieira até aos filósofos contemporâneos, passando por Fernando Pessoa, António Quadros, António Sérgio e Eduardo Lourenço. 
O presente título insere-se numa colecção na qual foram já publicados dois outros títulos de Miguel Real: Nova Teoria do Mal e Nova Teoria da Felicidade enquanto propostas para uma ética do século XXI.»


“O Conde Negrode  Tom Reiss, Editora Texto Editores sai a 31 de Março.

«A quase desconhecida história do General Alexandre Dumas que inspirou o filho a escrever o clássico O Conde de Monte Cristo. Filho de uma escrava e de um aristocrata francês nasceu no actual Haiti e em França chegou a comandar os exércitos nacionais no auge da Revolução, derrotado apenas pelo implacável Napoleão que não tolerava que o primeiro general negro de um exército ocidental além de inteligente fosse bonito.
Vencedor do Prémio Pulitzer em 2013.»


“A Experiência” de  Ferreira de Castro, Editora  Cavalo de Ferro
«Elogiado pela crítica como romance de grande intensidade psicológica e apontado como um dos textos mais subversivos do autor, A Experiência é uma das obras menos conhecidas e ainda menos lidas de Ferreira de Castro. Um texto surpreendente que aqui conhece, pela primeira vez, a sua edição autónoma, que pretende finalmente trazê-lo à luz e restaurar a sua importância literária.Januário e Clarinda, personagens inesquecíveis deste romance, conhecem-se ainda crianças no asilo e dali sairão para o mundo. As suas vidas, porém, precocemente destinadas à clandestinidade, só aparentemente seguirão cursos separados, para logo se juntarem de novo na grande cidade, lugar de sonhos desfeitos e de inocência perdida, e depois, como num círculo vicioso, retornarem ao ponto de origem: esse mesmo asilo, outrora denominado «Experimental» por querer ministrar uma educação diferente, e agora tornado prisão.»


“1914, Portugal no Ano da Grande Guerra”, por  Ricardo Marques, Editora Oficina do Livro, à venda a partir de 31 de Março.
«Como era o quotidiano dos portugueses no ano em que eclodiu a I Primeira Guerra Mundial? A estátua do Marquês do Pombal acabara de ser aprovada, Lisboa tinha 450 mil habitantes, Ricardo Jorge e Alfredo da Costa eram médicos a lutarem com surtos de febre tifóide e as mortes de recém-nascidos. Dos 3500 automóveis existentes no país, nenhum deles, conseguia ir de Lisboa ao Algarve, por faltarem vários quilómetros de estrada entre Ervidel e Aljustrel e entre Almodôvar e S. Braz. Eis alguns dos deliciosos detalhes contados neste retrato do Portugal do século passado feito pelo jornalista do Expresso

“História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75 “ de  Raquel Varela, Editora Bertrand sai a 14 de Março.
«“A luta política assume nas sociedades contemporâneas, em condições de calendário eleitoral estável, essencialmente, a forma da luta entre os partidos. Quando uma revolução se coloca em movimento, no entanto, tudo pode ser subvertido, porque milhões de pessoas inativas ou até desinteressadas despertam para a luta social. Este livro apresenta-nos uma rigorosa investigação sobre a revolução portuguesa que ambiciona dar voz aos que não tiveram voz. Nos livros de história eles são, não poucas vezes, invisíveis. Mas são os rostos comoventes destas grandes massas populares que oferecem sentido àquelas maravilhosas fotografias da revolução portuguesa. Anónimos, os seus retratos nas manifestações dizem-nos tudo o que precisamos de saber sobre a esperança e a frustração, a fúria e o medo, o entusiasmo e a ilusão, e tudo aquilo que oferece grandeza à vida e não cabe em palavras. Foram eles que fizeram a revolução. Nas páginas deste livro bate um coração que tem respeito e admiração por essa gente.”
 “O Enredo Conjugal”  de Jeffrey Eugenides, Editora Dom Quixote sai a 18 de Março.
«Início da década de 1980. Nas universidades americanas, os jovens com preocupações intelectuais discutem literatura, devoram Derrida e Roland Barthes, e ouvem Talking Heads. Mas Madeleine Hanna, aluna aplicada de Estudos Ingleses e romântica incurável, prepara a sua tese sobre Jane Austen e George Eliot – autoras a quem de deve o enredo conjugal que está no cerne dos melhores romances ingleses. Enquanto Madeleine estuda as motivações intemporais do coração humano, a vida real, sob a forma de dois rapazes muito diferentes – o carismático e intenso Leonard Bankhead e um velho amigo com inclinações místicas, Mitchell Grammaticus –, atravessa-se no seu caminho. Mas quando os três terminam os seus cursos universitários e se vêem confrontados com a vida no mundo real, têm de imaginar um desfecho para o seu próprio enredo conjugal.Com uma subtileza desconcertante e uma enorme compreensão e afeição pelas suas personagens, Jeffrey Eugenides revivifica as energias motivadoras do Romance, ao mesmo tempo que cria uma história tão contemporânea e surpreendente que parece o diário íntimo das nossas próprias vidas.»

segunda-feira, 10 de março de 2014

A Cidade


 “A escrita tem as suas próprias leis de perspectiva, de luz e de sombras, como a pintura e a música. Se nasces com elas, perfeito. Se não, aprende-as. Em seguida, reorganiza as regras à tua maneira.” Truman Capote

A Cidade

1
Vista da Ponte, a Cidade parece  intemporal. Fascina-me  o seu casamento com o rio e com o mar num braço aberto. Mas foi sempre e apenas  esse pormenor, essa singular união. O fascínio soçobrava às portas da Cidade. Nunca adentrou. Acabrunhava-me a sua traça virada de costas para o rio e anulada qualquer ligação com o Mar pela muralha intransponível de prédios gigantescos enfileirados para o turismo de massa  da sua Praia.
Há , porém, uma certa emoção ao contemplá-La da Ponte, principalmente à chegada, apresentando-se imponente com o  seu reflexo nas águas do Rio e deixando soltar uma paz adormecida na sombra de tanta casa anónima que vista deste ângulo não é possível identificar.
É esse anonimato que explica a minha relação  com a Cidade e vinte anos da minha vida. Não foi um caso de amor e muito menos de  paixão que me levou para a Cidade. Era mais um lugar para viver que acumulava privacidade com um elemento paisagístico natural imprescindível para mim, a ÁGUA.
Não tinha muito dinheiro, nem sequer conhecia o mercado imobiliário.  Tinha vindo para o Sul  e, como as praias estavam desertas , emprestaram-me uma casa numa Vila, à beira-mar, situada perto da Cidade. Era um empréstimo a prazo, pois no Verão teria de sair.
Aprendi alguns anos mais tarde que a privacidade e o anonimato são fantasmas de outro tempo e de outra cidade que não esta . Foi  já  muito tarde essa minha descoberta , não evitando todos estes acontecimentos que continuam  vivos na minha memória.
A Ponte atraiçoou-me . Ainda hoje a miragem é perfeita , tentando oferecer-nos uma imagem da Cidade que não é real.
Acredito que o onírico foi sempre um traço importante na construção das percepções que tenho da realidade. Vivi muito tempo concertando sonhos que se desfaziam em verdades dolorosas. E a Cidade foi uma verdade ludibriada.

A casa tinha apenas dois quartos meticulosamente preparados para férias. As mobílias rústicas , pintadas de azul, cheiravam a resquícios de um emprestado estilo alentejano que convivia muito bem com as dimensões dos quartos. A sala era para tudo , aquilo que vulgarmente se designa de “sala comum” que eu considero como polivalente ou seja multifuncional. E realmente serviu de escritório para mim, de sala de estudo para os meus filhos, de sala de jantar para todos e até de quarto, quando vinham os “Lisboetas” de visita.
A cozinha minúscula estava encafuada num compartimento aberto para a sala, sem janela e, por tal, interior. Os meus vinte anos ajudaram a encará-la quase como um legado especial e acolhedor, apagando o que de nefasto tem um cubículo transformado em cozinha, numa terra onde o calor é intenso.
Tinha acabado de fazer um estágio violentíssimo, embora tivesse sido socorrida frequentemente pela minha mãe. Fora muito difícil conjugar a vida profissional com a vida privada . O Daniel continuava longe de todos nós. Nunca entendi essa opção.
Não tinha a certeza se ao  vir novamente para longe, encontraria a solução para um outro início de vida. Mas tornar-se-ia frequente e quase uma marca no devir da minha vida, o recomeçar como consequência de um fatal retroceder. Contudo, verifico que nunca foi um começar no mesmo ponto do retrocesso. Afinal avançar e recuar é uma alternância inerente ao homem, só que nem sempre se entende isso na altura em que acontece.
O meu reencontro com o mar foi esplendoroso e tornou-se num ritual precioso e impiedosamente sôfrego. Todos os dias, a pretexto de tudo e de nada,  íamos à praia ou simplesmente vaguear junto à muralha, quando o mau tempo impedia .  O mar, a água de cambiantes infindos, exercia, então,  um poder paliativo que superava qualquer sentimento que teimasse em derrubar-me. Terá sido por ele e com ele que me fui reconstruindo.
Nessa época,  misturava as correrias de Martim , de Dinis e de Rodrigo, os meus filhos , com a preparação de trabalhos nos momentos livres, quer na areia da praia quer no Parque infantil sobranceiro à mesma. E lá estava o mar como fundo, fundeando também a minha existência.

Nos primeiros tempos foi muito difícil organizar-me nesta nova terra. Martim tinha três anos, pelo que  necessitava de um infantário que não existia. Dinis, com quatro, entrou para a pré-primária e Rodrigo já  com seis anos para a 1ª Classe . Os dois ficavam na Escola Primária às 8h30  e Dinis continuava  em casa com uma empregada doméstica que encontrei num café da Avenida Marginal. Era já uma mulher de meia-idade que me oferecia reforçada segurança necessária para me poder afastar e laborar a tempo inteiro, na tal Escola Secundária onde fui colocada.“  Maria José Vieira de Sousa, in " A Cidade", 1999

Cinema: "Diplomatie"

Diplomatie" : Choltitz salvou Paris?
Com "Diplomatie", o  realizador  alemão Volker Schlöndorff apresenta brilhantemente o momento em que  Hitler pretendeu destruir  Paris. O filme estreou nas salas de Paris a 5 deste mês. Eis a crítica de  François-Guillaume Lorrain em " Le Point" 
"Le réalisateur allemand Volker Schlöndorff assume le parti pris : "Tout ou presque, dans Diplomatie", est une fiction." Non, le général von Choltitz, commandant du Gross Paris, n'a pas, contrairement à une légende popularisée par le film de René Clément Paris brûle-t-il ?, sauvé Paris en refusant d'exécuter l'ordre de Hitler de raser la capitale. "Il s'est donné le beau rôle dans ses Mémoires, en 1951, où il avait besoin de laver sa réputation, car il avait contribué à la destruction de Rotterdam et fait raser Sébastopol, assistant - sinon participant - à l'extermination de 50 000 juifs par l'Einsatzgruppe n° 3", poursuit Schlöndorff.
Or, le réalisateur du Tambour a choisi, en adaptant la pièce de Cyril Gely, une autre version, plus efficace dramaturgiquement : dans son film, le général allemand, décidé d'abord à détruire la capitale, se laisse peu à peu persuader par le consul Nordling de n'en rien faire. "Choltitz aurait bien exécuté l'ordre, mais son propre état-major ne lui en donne pas les moyens. On lui refuse la dynamite dont il a besoin et on lui interdit l'accès aux avions du Bourget pour faire bombarder Paris. Par contre, il essaie de faire venir d'Allemagne les très gros canons avec lesquels il a détruit Sébastopol. Et il se renseigne sur les torpilles sous-marines entreposées près de l'École militaire. Mais il ne peut rien en faire. Ensuite, il ne bouge plus. Il est paralysé. C'est un homme hésitant, tiraillé, ce que j'ai essayé de montrer. Sa valeur principale était la famille. L'honneur de sa famille était-il davantage souillé s'il refusait d'exécuter l'ordre de Hitler ou s'il brûlait la ville ?"
Raide, sec et mal dégrossi
Ce tiraillement, Schlöndorff l'a perçu dans le protocole d'interrogatoire de von Choltitz par les Anglais, après son arrestation le 25 août 1944. La première phrase du protocole dit : "Ce général semble tout droit sorti d'un film hollywoodien." Raide. Sec. Mal dégrossi. C'est là qu'il commence à échafauder la théorie du sauvetage. Mais les Anglais notent qu'"il ne peut s'empêcher de [leur] donner des leçons de morale". Ce que Choltitz ignore, c'est que le soir, retrouvant les autres généraux allemands arrêtés, il est sur écoutes. Tous ses collègues lui tombent dessus : comment a-t-il pu capituler sans détruire Paris ? Choltitz se défend : il a toujours exécuté les ordres, même les plus horribles, "avec les dernières conséquences". Puis il interroge le général Ramcke, qui a rasé Brest, sur la technique qu'il a employée. "Il est donc curieux, analyse Schlöndorff. Mais partagé. Il demande si ce n'est pas un crime de guerre."
Dans la réalité, le consul Nordling avait vu Choltitz à cinq reprises depuis le 7 août 1944. Comme on peut le lire dans ses Mémoires (Payot-Rivages), édités par l'historien Fabrice Virgili, le consul a négocié bien des points avec Choltitz : "Une trêve entre la Résistance et les Allemands. La libération des prisonniers politiques - promis sinon dans ces derniers jours à une déportation sans retour - et la distribution de nourriture aux Parisiens", énumère l'historien. Par contre, Nordling n'évoque pas l'ordre qu'aurait reçu Choltitz de détruire Paris ni de conversation sur ce sujet. S'il avait tenté d'infléchir Choltitz après le 20 août, il en aurait fait état. Du reste, le 23 août, Nordling, soumis à de multiples pressions dans une capitale en ébullition, est hors service, victime d'une crise cardiaque. Dans son ouvrage sur la Libération de Paris (Tallandier), Jean-François Muracciole va même plus loin : il ne s'agissait pas de raser Paris comme Varsovie, la capitale n'ayant aucun intérêt stratégique pour les belligérants, le front de l'Ouest - une guerre classique - n'étant pas le front de l'Est, une guerre d'anéantissement.
Schlöndorff livre une dernière anecdote confirmant selon lui que Choltitz s'est vanté : "Comme nous avons tourné au Meurice, QG de Choltitz, j'ai pu discuter avec le vieux barman qui l'avait connu. Dans les années 50, il avait vu arriver dans l'hôtel un monsieur coiffé d'un chapeau. Il l'avait reconnu et invité à prendre un verre. Mais Choltitz s'était esquivé. Croyez-vous qu'un homme qui aurait sauvé Paris aurait agi ainsi ?"
"Diplomatie", en salles le 5 mars.
" Diplomatie "
Au-delà de l'exactitude historique, " Diplomatie " est d'une indéniable efficacité dramaturgique : deux hommes se regardent dans le blanc des yeux, tenant le sort d'une ville, et quelle ville, entre leurs mains, l'un retournant progressivement l'autre. Reprenant leurs rôles de la pièce de théâtre signée Cyril Gely, les deux acteurs font assaut de talent. Le matois Dussollier s'enroule autour du roc Arestrup, qui se fissure. L'argumentation contre la discipline. Avantage à l'acteur Arestrup, Schlöndorff, après Gely, tirant le meilleur parti de cette confrontation.
Le Point- Publié le 05/03/2014

domingo, 9 de março de 2014

Ao Domingo Há Música

" Noite estrelada" de Van Gogh, 1889, MoMA, NY
VAN GOGH

Devora-me a sede de infinito.
Que vou fazer? Como resolvê-la?
Decido: saio para a noite e fito
o espaço nu, a luz duma estrela.
Eugénio Lisboa, in " O ilimitável Oceano",  Quasi Edições, 1ª Edição, Março 2001

Julia Lezhneva é  uma estrela em ascensão e a clara evidência do prazer de cantar.  De Wolfgang  Amadeus  Mozart, interpreta, com júbilo e  elegância, "Exsultate, jubilate" KV165 (158a).



sábado, 8 de março de 2014

E temos saudades desse mar

Murmúrios  do mar

"Paga-me um café e conto-te
a minha vida"

o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
e uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu , não, nunca choraste
por amores que se perdem

os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
Que derruba primeiro no nosso corpo
Tudo o que seremos depois

"pago-te um café se me contares
o teu amor"


José Tolentino Mendonça  in “Baldios”, Assírio& Alvim,1999

sexta-feira, 7 de março de 2014

Perda de ser amado

Por Albert Camus
"Perda de ser amado, incerteza daquilo que somos; são as ausências que segregam as nossas piores dores. Podemos ser idealistas, mas precisamos do tangível. É numa presença que julgamos encontrar a certeza. E, embora a não amemos, pelo  menos vivemos nessa necessidade. Mas o que é espantoso, ou o que é triste, é que essas faltas nos trazem o remédio ao mesmo tempo do que a dor. Reconhecemos que a certeza adquirida - o ser amado- obstruía uma grande parte do possível, que vemos agora puro como o céu lavado pela chuva. Da lassidão nasce a disponibilidade . Ser é parar. Mas não vivemos para parar. Quando  estamos disponíveis procuramos de novo, enriquecidos pela dor. E este impulso constante cai para ganhar forças. A queda é brutal, mas recomeçamos sempre.
Quando um interesse da nossa vida se esboroa aos nossos pés,  transferimos para uma nova, para passar a outra, e assim por diante sem desfalecer. Incessante necessidade de crer, perpétua projecção para a frente - havemos de representar muito tempo esta comédia iniludível. Todavia, alguns jogam este jogo lastimável nos momentos decisivos. Contemplam as suas vidas inteiras para se convencerem de grandeza. Agita-se neles uma frágil esperança: quem sabe? A recompensa ...ou então...
Mas porquê falar de comédia e de jogo? Nada do que é vivido é comédia. As nossas mentiras mais cínicas, as nossas hipocrisias mais vis, merecem o respeito ou a piedade que se deve a cada coisa viva. Entretanto, é possível , com efeito, que a nossa vida seja construída por nós. Mas se devemos acreditar que viver não é senão criar, há neste gesto que provoca o nosso esmagamento uma singular e refinada crueldade. Não é fácil acreditar que, na ausência de uma providência que contabilize as suas dores, o homem - heautontimorumenos - faça a sua própria provisão de desespero. E é inevitável que o idealista , por mais impenitente, esqueça a sua filosofia diante da morte de um filho.
Mas há homens que julgam tudo ter perdido com a morte  da mulher. Apercebem-se de que , a partir dessa infelicidade, uma nova vida vai começar. E por mais que essa vida seja feita de renúncia e de desgosto, o  patetismo de uma existência semelhante ainda os consegue fascinar. E é assim que está certo - uma vez que podemos , a cada instante, pôr termo à vida: podemos não viver. Pode dizer-se, em relação a certos homens, que em todas as circunstâncias, felizes  ou não, é sempre preferível morrer em vez deles. Mas a partir do momento em que vivem, são obrigados a aceitar, tanto o ridículo como o sublime. Não nos enganemos, porém! Pode-se sempre descobrir o ridículo no sublime - do contrário existem poucos exemplos.
É por isso  que as dores que tanto nos afligem são, na realidade, as menos perniciosas. São simples esfoladelas em comparação com o insondável tormento ao qual nos julgamos destinados. A verdadeira dor não consiste tanto em ser-se frustrado de um bem qualquer mas muito mais em aspirar ao único bem que nos tenta. Não há dúvida de que seríamos incapazes de o designar com exactidão. Mas a dor  que provoca a sensação da sua falta é a única imutável. É ela  que se revela como coisa profunda  aos olhos  experientes , e da qual dizemos nada saber para responder às perguntas inquietas. Desejamos à viva força um bem que não conhecemos. E, pelo facto de nos considerarmos dignos dele, pomos de parte os únicos objectivos que poderíamos atingir. Que fazer? Uma vaga de dor desfaz-se num gemido; segue-se-lhe uma outra queixa que é abafada pela exalação de uma terceira.
Como esquecer, neste momento, o frade dominicano que me dizia com grande simplicidade, e com o ar mais natural deste mundo: " Quando estivermos no paraíso..."? Há, então, homens que vivem com uma tal  certeza, enquanto outros a procuram a duras pernas? Lembro-me , também, da juventude e da alegria desse frade. A sua serenidade magoara-me . Noutras circunstâncias, ter-me-ia afastado de Deus. O que é certo é que ele me perturbara profundamente. Devia ser porque , sem dúvida, não podemos afastar-nos de Deus quando não é ele quem deseja afastar-nos.
Sim, são faltas, são faltas que originam os nosso piores sofrimentos. Mas, que importa, na verdade, o que nos falta, quando o que possuímos não se esgotou? Tantas coisas são susceptíveis de ser amadas, que nenhum desfalecimento pode ser definitivo. Saber sofrer é saber amar. E quando tudo rui, tudo recomeçar , com simplicidade, enriquecidos pela dor, quase felizes com a sensação da nossa infelicidade."
Albert Camus, "Perda de ser amado",  Outubro de 1933, in " Escritos de Juventude", Edições Livros do Brasil, Lisboa

quinta-feira, 6 de março de 2014

Crónicas da Infâmia

Crónicas da Infâmia
3 - Da inocência à violência
Vi, enlevada , um daqueles registos videográficos que circula pela internet e que nos reenviam indefinidamente.
É um registo surpreendente. Ferido de uma simplicidade crua e autêntica.
Uma criança trôpega e insegura, ensaiando os primeiros passos, sai de casa e descobre o paraíso.
Chove. E , tal como a criança, a chuva cai trémula, incipiente. Gota a gota, escorre-se num gotejar lento e espaçado. É, então, o tempo da descoberta.
A chuva, o novo mundo, que se abre aos olhos de uma criança. E ela ri e  sorri num brilho tão intenso que nunca haverá olhar algum que não o vislumbre.
As gotas caem e rolam-lhe pelo rosto. A criança exulta entre a infinda alegria e o puro deslumbramento. Agarrá-las , prendê-las, senti-las dão ao momento a fantástica dimensão da inocência. O encanto com as pequenas descobertas da pródiga natureza, o enamoramento primevo, inicial.

Todos nós, em tempo remoto, tivemos momentos de extraordinárias descobertas. Enchem a memória dos dias felizes. Se o mundo se aquietasse perante a beleza do universo em que gravita, talvez estes dias de ira se extinguissem .
A barbárie saiu à rua. Anda à solta.
As imagens que nos chegam, diariamente, são assustadoras. Um mundo revolto em violência.
Violência fermentada  pela insanidade do Homem.
Horror, incúria, xenofobia, fanatismo/extremismo religioso, totalitarismo, delinquência, exploração, opressão, prepotência, “ coisificação” do ser humano são algumas das formas de violência que se gladiam em terreno de pungente opróbrio.
Chocantes, sucedem-se  episódios brutais, reais,  de uma crueldade inenarrável mas devastadora.
Morre-se aqui, ali,  acolá, lá longe , por todo o mundo.
Mata-se sem quê, sem por quê  e menos ainda para quê?
Imparáveis, os números avançam na ausência de dígitos precisos, mas , Deus meu, com gente. Muita. Rostos que emergem no sangue que se esvai e que se mostra às objectivas de quem os regista.
É na Ucrânia: Jovens que se manifestam.
É na Ucrânia: Homens que se confrontam.
É na Ucrânia que se enfrentam, se esgrimem e se abatem.
É na Ucrânia : O(s) poder(es) a clamar o  Poder.

Para Weber , o poder está fatalmente ligado à violência, postulado que Hannah Arendt recusa. O poder, para Arendt, assenta na consensualidade de uma acção solidária e nunca instrumental onde a verdade é a pedra angular: “ a persuasão e a violência podem destruir a verdade , mas não substitui-la. A verdade é determinante para o entendimento do poder . O poder repousa sobre a reunião de homens iguais que partilham a Liberdade que é o verdadeiro” conteúdo  e sentido original da coisa política”. Quando o poder se esvazia desse conteúdo transforma-se em violência.

Mas ei-la pelo Mundo. Os homens iguais chamaram todos os abutres.
Na Nigéria, lançaram fogo a um indefeso colégio, na noite em que os estudantes internos dormiam. Jovens , confusos e inexperientes sucumbiram  numa carnificina inconfessável que homens iguais permitiram.
Na China, esfaquearam, mutilaram e assassinaram quem nem o nada tinha de temer. Eram , apenas, homens iguais que esperavam um comboio, numa recôndita estação ferroviária.
Na Venezuela, país onde os mortos reinam, perseguem-se , picam-se e debicam-se   os  pobres e os ricos desiludidos pela fome , pela escassez. País onde o poder   grassa sem regra ,  sem jaez. País, onde a opressão paira e os homens iguais  a repudiam.
Na Tailândia, as ruas enchem-se de gente, de crianças que não resistem às balas de quem as dispara. .
Morre-se porque não há lugar para os homens iguais.
No Brasil, a pobreza organiza-se em  Passeatas que , em cada esquina, se descobre num confronto desigual.
Tomba um,  tombam dois e tombam dezenas sem que o poder dos homens iguais o entenda.
Na Síria, tudo é permitido. Guetos que são as ruínas de escombros de tanta gente perecida. Trincheiras onde as crianças deambulam, enquanto os silvos da guerra ensandecem os homens que nunca serão iguais.
E por cá, sim,  por Portugal, onde jazem “o conteúdo e o sentido “ da autêntica res publica?
No pacote das medidas incessantemente extraordinárias?
Na estreita largueza das mentes iluminadas?
Nos esvaídos arremessos que se lançam e se cruzam no Parlamento de tantos homens iguais?
Nas iníquas e continuadas  propostas que se pensam e se  elaboram na subtileza do vil disfarce que vincula e gera a violência da miséria?

E se a infâmia anda por aqui, urge expurgá-la para que a violência não se acomode.
Expurguemo-la . Todos, em uníssono,  no gesto que define os homens verdadeiramente iguais.
                                                                    Praia da Rocha, 6 de Março de 2014

Maria José Vieira de Sousa

quarta-feira, 5 de março de 2014

Os sons do flamenco

O famenco punge e devassa-nos. São sons profundos que nos tocam e nos arrastam num mistério  de sedução e de prazer.  Vêm de longe para nos sacudir e  inquietar. Privar-nos desse exercício é rejeitar a harmonia de um dos mais belos cantos.
Enrique Morente , já desaparecido, continua a ser um dos nomes maiores desse canto. Apresentam-se alguns registos notáveis.

Do  álbum "DESPEGANDO", 1977
guitarra: PEPE "HABICHUELA"

"Si yo encontrara la estrella que me guiara,
yo la metería muy dentro de mi pecho y la venerara,
si encontrara la estrella que en el camino me alumbrara.

Como relámpago de fuego fuiste
que en mi sentimiento entraste.
Dejaste encendido el fuego 
y entre llamas me dejaste.

Estrella, llévame a un mundo
con más verdades,
con menos odios, con más clemencia 
y más piedades.

Romperemos las nubes negras
que nos engañan, que nos acechan.
Abriremos un mundo nuevo 
sin fusiles ni venenos.

Estrella, si te encontrara
me darías tú la fuerza que necesito
para vivir en este mundo de confusiones,
de misiles y de motores.

o tal vez e llevarías 
por caminos y por montes
donde tú alumbras campos de amores,
campos de luces y corazones."


Do álbum "SACROMONTE", 1982
guitarras: "TOMATITO", ISIDRO "SANLÚCAR",
a letra é um fragmento de "LA TONÁ DE LA FRAGUA
(SEGUIRIYAS GITANAS)" de MANUEL MACHADO:

Mi pena es mu mala,
porque es una pena que yo no quisiera
que se me quitara.

Vino como vienen,
sin saber de dónde,
el agua a los mares, las flores a mayo,
los vientos al bosque.

Vino, y se ha quedado
en mi corazón,
como el amargo en la corteza verde
del verde limón.

Como las raíces
de la enredadera,
se va alimentando la pena en mi pecho
con sangre e mis venas.

Yo no sé por dónde,
ni por dónde no,
se me ha liao esta soguita al cuerpo
sin saberlo yo.


Fragmentos de Doña Rosita la soltera o el lenguaje de las flores
Música: Enrique Morente
Letra: Federico García Lorca


Madre, llévame a los campos
con la luz de la mañana
a ver abrirse las flores
cuando se mecen las ramas.

Abierta estaba la rosa 
con la luz de la mañana, 
tan roja de sangre tierna 
que el rocio se alejaba
tan caliente sobre el tallo
que la brisa se quemaba,
¡tan alta! ¡cómo reluce!
¡abierta estaba!

Mil flores dicen mil cosas
ay para mil enamoradas
y la fuente está contando
lo que el ruiseñor se calla.