sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A injustiça não deve ter razão



A Fome
Aqui, onde a mão não
alcança o interruptor da vida, aqui
só brilha a solidão.
Desfazem-se as lembranças contra os vidros.

Aqui, onde a brancura
dum lenço é a brancura do infortúnio,

aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.
Luís Miguel Nava, in “ Vulcão”, Lisboa, Quetzal, 1994

«Escrevo para criar um espaço habitável da minha necessidade, do que me oprime, do que é difícil e excessivo. Escrevo porque o encantamento e a maravilha são verdade e a sua sedução é mais forte do que eu. Escrevo porque o erro, a degradação e a injustiça não devem ter razão. Escrevo para tornar possível a realidade, os lugares, tempos, pessoas que esperam que a minha escrita os desperte do seu modo confuso de serem. E para evocar e fixar o percurso que realizei, as terras, gentes e tudo o que vivi e que só na escrita eu posso reconhecer, por nela recuperarem  a sua essencialidade, a sua verdade emotiva, que é a primeira e a última que nos liga ao mundo.»Vergílio Ferreira

Amazónia em recuperação


Amazónia
"Antes da pátria, eras úmida promessa...
semente primordial
árvore mãe
planta continental
arvoredo, floresta, selva palpitante.
Hoje canto tua estatura vertical
o mogno gigantesco, seu colossal diâmetro
canto essa caudalosa geografia
essa multidão de vidas que sustentas
canto o itinerário sazonal da seiva
e  essa infinita linfa...
parto de infinitas criaturas.
Canto teu verde planetário
e no teu imenso respirar,
canto o nosso pão de oxigênio...
Canto a ti... Amazônia
bosque inquietante da esperança...
e  eis porque denuncio esse machado cruel sobre  teu peito...
essa fruta milenar, dia a dia devorada.(...)"
Curitiba,Abril 2006,  Manoel de Andrade, in "Cantares", Ed. Escrituras, S.Paulo

Desflorestação da Amazónia cai para novo mínimo histórico
 “O ritmo de desflorestação da Amazónia caiu 76% desde 2005. Área destruída no último ano equivale à do pior ano de incêndios florestais em Portugal.
A desflorestação da Amazónia baixou para o seu menor nível desde 1988, quando começou a ser feita uma monitorização regular por satélites. A superfície destruída entre Agosto de 2011 e Julho de 2012 foi de 4656 quilómetros quadrados, o que equivale aproximadamente à área ardida em Portugal em 2003, o pior ano de incêndios florestais no país.
Houve uma redução de 27% em relação ao ano anterior, em que o abate de árvores tinha também chegado a um recorde mínimo, 6418 quilómetros quadrados.
Os dados oficiais foram divulgados terça-feira pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a agência brasileira que acompanha a evolução da desflorestação da Amazónia a partir de imagens de satélites. O INPE possui dois sistemas de monitorização: o DETER, que dá uma imagem mais imediata ao longo do ano, de modo a detectar sinais de alerta, e o PRODES, que faz um retrato mais detalhado no final de cada época. Os números agora divulgados são os do PRODES.
Os resultados surgem num momento em que a comunidade internacional discute novos passos a dar na luta contra o aquecimento global, na conferência climática anual das Nações Unidas, em Doha, Qatar. “Ouso dizer que esta é a única boa notícia ambiental que o planeta teve neste ano do ponto de vista de mudanças do clima”, disse a ministra brasileira do Ambiente, Izabella Teixeira, ao apresentar os resultados em Brasília.
Há três anos, o Brasil assumiu o compromisso voluntário de reduzir em 36% o aumento das suas emissões de CO2 até 2020, em comparação o que seria expectável. Uma grande fatia deste esforço seria, nos planos do Governo, atingida com uma descida de 80% do nível de desflorestação, em relação a 2005. Neste momento, já houve uma redução de 76%.
“Podemos mostrar em Doha que estamos a fazer a nossa parte para reduzir emissões”, continuou Izabella Teixeira. “O mundo deve encontrar urgentemente uma solução para a questão das alterações climáticas”, acrescentou.
Cultura da soja
Nem tudo são, porém, boas notícias. Apesar da diminuição da área desflorestada em geral, houve um aumento em três dos nove estados brasileiros da chamada Amazónia legal: Acre (10% ), Amazonas (29%) e Tocantins (33%). Já nos estados onde a floresta está a desaparecer em maior superfície, houve grandes descidas. No Mato Grosso e no Pará, que representam metade da área desflorestada em 2011/12 e dois terços desde 1988, o ritmo abrandou 31% e 44% respectivamente. É sobretudo nestes estados, e também em Rondónia, que a cultura da soja mais tem avançado sobre a floresta nas últimas duas décadas.
O ritmo de destruição da Amazónia tem vindo a cair desde 2004, quando desapareceram quase 28 mil quilómetros quadrados da mancha florestal.
Dados mais recentes, já do terceiro trimestre de 2012, lançaram a preocupação de que esteja a haver uma nova subida. Entre Agosto e Outubro de 2012, as árvores desapareceram de 1152 quilómetros quadrados, um aumento de 125% em relação ao mesmo período de 2011, segundo a organização não-governamental Imazon, que tem o seu próprio sistema de monitorização.” Por Ricardo Garcia, in “ Público, 28/11/2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O ano da Poesia


O ANO DE 1888 E  A POESIA

"Em 1888 nasceram três grandes poetas, glórias da língua italiana, da língua portuguesa e da língua inglesa: a 8 de Fevereiro, em Alexandria, Egipto, Giuseppe Ungaretti; a 13 de Junho, em Lisboa, Fernando Pessoa; a 26 de Setembro, em St. Louis, Missouri, Estados Unidos, T. S. Eliot. A poesia das suas respectivas línguas e a poesia universal só por equívoco continuaram a ser as mesmas depois da revolução expressiva que cada um deles efectuou. E sem dúvida que Pessoa, se vivo fosse, conheceria este ano uma consagração gloriosa como a que os países anglo-saxónicos estão tributando a T. S. Eliot, e como a que não sei se a Itália terá tributado a quem é hoje o seu maior poeta vivo. Altos espíritos, para nenhum deles a poesia foi um dom gratuito dos deuses, mas uma atenção, uma coragem, um desassombro. Críticos lúcidos, influíram poderosamente no pensamento estético do seu tempo, e com eles, como com outros que os precederam ou seguiram de pouco, sofre um golpe mortal a concepção romântica da poesia como devaneio sentimental. São, em que pese a crítica, poetas da inteligência, da emoção dilucidada, da acuidade expressiva. Não são artistas do verso - que os houve sempre demais, e mesmo entre os românticos -, mas artistas da criação poética, da poesia como conhecimento e apreensão profunda. Homens de expressão exacta, densa oblíqua, ultrapassaram simultaneamente a ambiguidade simbolista, que a todos marcou, e a imprecisão romântica, a que todos fugiram. E, sobretudo, liquidaram o arsenal de convenções temáticas, imagísticas e linguísticas da mediocridade poética, expondo-o no pelourinho da secura irónica ou da severidade ascética da expressão. Pessoa não necessita de ser relembrado em seus versos, pois que, depois de Camões, nenhum poeta português conheceu, como a sua obra está conhecendo, um tão autêntico e tão vasto prestígio. Mas de Eliot e Ungaretti, menos conhecidos entre nós, até por menos difundidas as suas línguas que o espanhol ou o francês, há que lembrá-los por poemas seus. A seguir encontrará o leitor a tradução, que fiz, de dois dos mais célebres poemas e dos mais característicos de uma certa maneira de cada um: O «Boston Evening Transcript», de T. S. Eliot, Io Sono uma Creatura, de G. Ungaretti."


O «BOSTON EVENING TRANSCRIPT»
de T. S. Eliot

Os leitores do Boston Evening Transcript
Curvam-se ao vento como seara madura.
Quando a tarde se apressa um pouco na rua
Despertando apetites de vida em alguns
E a outros trazendo o Boston Evening Transcript,
Eu subo as escadas, toco a campainha,
Voltando-me cansado, como que se voltaria para acenar adeus a Rochefoucauld,
Se a rua fosse tempo e ele no fim da rua,
E digo: - Prima Henriqueta, aqui está o Boston Evening Transcript.
(Prufrock and Other Observations, 1917)

SOU UMA CRIATURA
de G. Ungaretti

Como esta pedra
do S. Miguel
assim fria
assim dura
assim enxuta
assim refractária
assim totalmente
desanimada
como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê

A morte
desconta-se
vivendo.
(Allegria di Naufragi, 1919)

Jorge de Sena , in  “ O Dogma da Trindade Poética (Rimbaud) e Outros Ensaios, Edições Asa, 1994 , (publicado, originalmente, na Gazeta Musical e de todas as Artes, Ano IX, 3ª série, nº 91/92 de Outubro/Novembro de 1958)

 II
HORIZONTE
O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
Fernando Pessoa, in " Mensagem", Edições Ática, 1959

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Imagens e Eventos da Actualidade




Vídeo: Dos 0 aos 100 anos em 150 segundos
Um realizador holandês divulgou recentemente um original documentário, de apenas 150 segundos, onde reúne imagens de pessoas dos 0 aos 100 anos de idade. O resultado é uma verdadeira viagem pela progressão da idade no ser humano.
O projecto de Jeroen Wolf realizado em vídeo intitula-se “100 – 5050 anos em 150 segundos” e é uma “ colecção” de idades por ordem crescente dos 0 aos 100 anos. Nos vídeos, os entrevistados limitam-se a dizer a sua própria idade, exceptuando os dois primeiros bebés que ainda não sabem falar. Todas as idades somadas dão um valor total de 5050 anos.
No seu site oficial, o realizador explica que o mais difícil foi encontrar alguém com 99 anos e revela um facto curioso: "Aparentemente a idade de 100 anos tem mais notoriedade que os 99 anos…Quando finalmente encontrei uma senhora com 99 anos, a mesma recusava e dizia que tinha 100 anos.”
Para conseguir os depoimentos das pessoas mais idosas, Wolf deslocou-se a lares de terceira idade. “Foi um privilégio documentar estas pessoas, por vezes tão vulneráveis, para este projecto , referiu o jovem realizador.
Após quatro meses de filmagens, o jovem realizador conseguiu reunir todas as idades para o documentário, concluindo o seu projecto que integra as comemorações do Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações. In “ Boas Notícias"
Mais valia
Missões de voluntariado de curta duração para maiores de 55 anos



O Mais Valia conta com a participação profissional de todos os que, depois dos 55 anos, queiram oferecer voluntariamente o seu saber e experiência aos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP). O projecto do Programa Gulbenkian de Ajuda ao Desenvolvimento será desenvolvido em missões de voluntariado de curta duração, de acordo com necessidades específicas dos vários países, nas áreas da Educação, da Saúde e das Artes.
O objectivo deste projecto centra-se na criação de uma bolsa de voluntariado qualificado, composta por profissionais experientes que, em parceria com instituições locais e organizações não governamentais no terreno, possam responder às necessidades do chamado terceiro sector  Os candidatos deverão ter: idade igual ou superior a 55 anos; formação académica ou técnica especializada; experiência profissional; e disponibilidade para integrar missões com um período máximo de dois meses.
Os seleccionados farão uma formação específica para a missão antes da partida. As candidaturas estão abertas até 30 de Abril de 2013 em APOIOS.


Festa dos livros
edições Gulbenkian


De 29 Nov a 23 Dez 2012 | 10:00 - 20:00 | Encerra Segunda-feira
Livraria da Sede e Loja do Museu Gulbenkian
À semelhança dos anos anteriores, as edições da Fundação Gulbenkian podem ser encontradas a preços especiais.

Rodrigo, Expresso

António, Expresso

NOVIDADE
DEBAIXO DE FOGO
de Paulo Camacho
PVP 14,90€
e-book 10,98€
280 páginas
ISBN 978-989-74-1019-2
Memórias e emoções de um repórter de guerra
Sobre o livro
"Um livro que permite recordar alguns dos marcos mais importantes da História contemporânea, sob o olhar de Paulo Camacho. São 28 anos de jornalismo, resumidas em 12 histórias sobre reportagens que fez durante os conflitos armados, invasões ou guerras em todo o mundo.
Ao serviço da BBC, Expresso e SIC, Paulo Camacho cobriu uma boa parte dos conflitos mais importantes que ocorreram no mundo desde meados da década de 80. Esteve em Bagdad no início das duas guerras do Golfo, várias vezes na guerra civil angolana, na guerra civil de Moçambique, no caos da Somália, nos confrontos da África do Sul depois da queda do apartheid, na guerra do Congo/Zaire quando o ditador Mobutu foi afastado, nos ataques israelitas ao Líbano ou na queda dos regimes do Bloco de Leste, como na Roménia e Checoslováquia.
Neste livro, partilha as suas memórias desses tempos, as emoções de quem presenciou o inferno na Terra e a forma que encontrou para se defender de experiências extremas, como assistir à morte de crianças. Paulo Camacho esteve no centro dos acontecimentos, na força do relato radiofónico, no auge do jornalismo escrito e no arranque da televisão privada.Com prefácio de Ricardo Costa e apresentação no lançamento de Pinto Balsemão.
Sobre o Autor
Paulo Camacho nasceu no Funchal em 1959. Casado, tem dois filhos e um neto. Abandonou a licenciatura em Direito para começar a trabalhar em jornais, aos 20 anos. Depois de passagens por A Capital, Tempo, A Tarde, Rádio Comercial e RTP, foi contratado pela BBC. Durante os cinco anos que viveu em Londres, foi correspondente da Agência ANOP, da Rádio Renascença e do Expresso, em cujos quadros entrou no regresso a Portugal. Foi co-fundador da SIC, onde permaneceu até 2007, tendo exercido funções de coordenador de informação, editor de internacional e apresentador de telejornais. É actualmente director de comunicação da ZON Multimédia. Debaixo de Fogo é o seu primeiro livro. "
A Peça do Mês de Novembro

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Para Sempre



Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos 
Drummond de Andrade, in "Lição de Coisas", Companhia das Letras


Poema " A minha Mãe " de Vinicius de Moraes, in " Antologia Poética", Dom Quixote

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Aquecimento global


Aquecimento global domina cimeira do clima das Nações Unidas
"É com o alerta dos cientistas de que a crise ambiental está a entrar num caminho sem retorno que começa esta Segunda-feira, em Doha, no Qatar, a mais importante reunião anual mundial sobre o clima, a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.
A agência das Nações Unidas para o Ambiente alertou os 194 países presentes nesta cimeira que a falta de um acordo global até agora permitiu que a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera aumentasse 20 por cento desde 2000.
Um estudo do Banco Mundial avisou que, se nada for feito, a temperatura poderá subir 4 graus até ao final do século, com prejuízos incalculáveis para o planeta." Arlinda Brandão, RTP, 26 Nov, 2012, 08:26 

Calor extremo no Mundo
"O  percentual da superfície terrestre atingido por temperaturas muito elevadas no Verão aumentou nas últimas décadas, subindo de 1% nos anos anteriores a 1980 a até 13% nos anos recentes, segundo um novo trabalho científico.
A mudança é tão drástica, diz o estudo, que os cientistas podem dizer quase que com certeza que os eventos como a onda de calor no Texas no ano passado, a da Rússia em 2010 e a da Europa em 2003 não teriam acontecido sem o aquecimento global causado pelas emissões de gases-estufa causadas pelo homem.
                                                                 Tony Gutierrez/Associated Press
Polcial do Texas anda em leito de lago seco em San Angelo, em agosto de 2011, durante seca recorde
Policial do Texas anda em leito de lago seco em San Angelo, em Agosto de 2011, durante seca recorde
                                                             Mikhail Voskresensky /Reuters
Homem senta no chão enquanto chamas consomem casa em Vyksa, na Rússia, na onda de calor extremo em 2010
Homem no chão enquanto chamas consomem casa em Vyksa, na Rússia, na onda de calor extremo em 2010
Essas alegações, que vão além do consenso científico sobre o papel das mudanças climáticas como causa de eventos metereológicos extremos, foram feitas por James Hansen, estudioso do clima da Nasa, e dois coautores  num estudo publicado na revista "PNAS" ("Proceedings of the National Academy of Sciences").
"O mais importante é olhar as estatísticas e ver que a mudança é grande demais para ser natural", afirmou Hansen em entrevista.
Os resultados provocaram uma divisão imediata entre seus colegas cientistas.
Alguns especialistas dizem que ele descobriu um jeito inteligente de entender a magnitude dos eventos climáticos extremos que as pessoas têm notado ao redor do mundo. Outros sugerem que Hansen apresentou argumentos estatísticos fracos para dar suporte a suas alegações e que o estudo tem poucas informações novas.
A divisão é característica das reacções fortes que Hansen tem causado no debate sobre as mudanças climáticas.
Como líder do Instituto Goddard de Estudos Espaciais em Manhattan, ele é um dos principais cientistas de clima da Nasa e guarda seus registos da temperatura terrestre ao longo dos anos. Mas ele também tornou-se um activista que marcha em protestos para pedir novas políticas de governo quanto à energia e ao clima.
O lado activista de Hansen, que já causou a sua prisão em quatro protestos, tornou-o um herói da esquerda americana. Mas também causou desconfiança entre os seus colegas cientistas, que temem que as suas actividades políticas estejam colocando em dúvida seus achados sobre a ciência climática.
Os chamados cépticos do clima acusam Hansen de manipular os registos de temperatura para fazer o aquecimento global parecer mais severo, mas não há provas de que ele tenha feito isso.
Há tempo que  os cientistas crêem que o aquecimento da Terra no último século, especialmente após 1980, tenha sido causado pela queima de combustíveis fósseis. Mas ainda não há certeza sobre se é possível atribuir a essa acção humana a ocorrência de eventos extremos como ondas de calor ou tempestades.
No novo estudo, Hansen compara o clima de 1951 a 1980, antes do "grosso" do aquecimento global, com os anos de 1981 a 2011.
Ele e a sua equipa calcularam quanto da superfície terrestre em cada período foi submetida em Junho  Julho e Agosto (verão no hemisfério norte) a climas extremos. Entre 1951 e 1980, só 0,2% da Terra foi atingido por calor extremo no verão. Mas de 2006 a 2011, o calor extremo cobriu de 4% a 13% do mundo.
"Isso confirma as suspeitas das pessoas de que coisas estão acontecendo com o clima. Só vai piorar", disse Hansen.
As descobertas levaram  a sua equipa a dizer que as ondas de calor e a seca dos últimos anos são consequência directa da mudança climática. Os autores não deram provas cabais desse processo, mas sim um argumento circunstancial de que só aquecimento pode ser a causa desses eventos extremos.
Andrew Weaver, cientistas do clima na Universidade de Victoria, no Canadá, comparou o aquecimento recente a surtos de sarampo pipocando em lugares diferentes. Como com a epidemia, disse ele, faz sentido suspeitar de uma causa comum.
Outros cientistas não concordam. Claudia Tebaldi, da organização Climate Central, diz que os achados do trabalho não são novos e que a atribuição de ondas de calor específicas ao aquecimento global não tem base sólida.
Martin Hoerling, pesquisador no National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA, diz que compartilha a preocupação de Hansen mas que ele está exagerando a conexão entre o aquecimento global e eventos específicos.
Hoerling publicou um estudo sugerindo que a onda de calor russa de 2010 foi consequência de variações naturais do clima. Num novo artigo, ele diz que a seca no Texas em 2011 também teve causas naturais.
O pesquisador diz que o trabalho de Hansen confunde seca, causada por falta de chuva, com ondas de calor. "Este não é um trabalho científico sério. É uma percepção, como diz o título do artigo. Percepção não é ciência." Artigo do "New York Times", publicado na "Folha de S.Paulo", Agosto de 2012

domingo, 25 de novembro de 2012

Ao Domingo Há Música


Musa
Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido

Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto
Sophia de Mello Breyner Andresen, "Musa" in " Antologia", Lisboa: Moraes Editores, 1975
                        
                                            
             Era um canto, uma dança, um vôo,
                o exercício da liberdade,
                era porventura a descoberta
                do espírito?
                Henriqueta Lisboa," Pássaro de Fogo",in " Melhores Poemas", São Paulo, Global Editora

Quando uma obra musical se torna intemporal vive da própria força, da arquitectura da pauta que a sustenta. Nem todos os géneros musicais têm o mesmo público, mas a pujança de uma obra elimina fronteiras  e atinge a transversalidade se vem apoiada na intensidade  da melodia e no talento de quem a interpreta. Meat Loaf, em “For Crying out Loud” , é um desses  grandes expoentes. 
“For Crying out Loud” pertence ao  Álbum “Bat Out of Hell “,  o segundo de Meat Loaf, lançado em 1977, que consta da  lista dos 200 Álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame. Em 2003, a Revista  Rolling Stone dedicou a "Bat Out Of Hell" a 343ª posição entre os 500 melhores álbuns de todos os tempos.

sábado, 24 de novembro de 2012

O crime da violência



«O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios, são, caro senhor, molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar disso os homens é transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos simplesmente porque o seu autor não podia suportar estar em erro! Conheci em tempos um industrial que tinha uma mulher perfeita, por todos admirada e que, no entanto, ele enganava. Este homem ficava literalmente raivoso ao descobrir-se culpado, na impossibilidade de receber ou de passar a si próprio uma certidão de virtude. Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, o seu erro tornou-se-lhe insuportável. Que pensa que fez então? Deixou de a enganar? Não. Matou-a.»
Albert Camus, in «A Queda», Editora Livros do Brasil 

Por razões várias e sem que nenhuma seja razão para, a violência sobre o outro exerce-se num crescendo assustador. Quando são apresentadas as estatísticas anuais, a consciência da barbárie  é imposta através de casos concretos. Os números são uma chaga que persiste e traduz não só o sofrimento da agressão como a morte da vítima.
Este ano, a APAV já anunciou a Campanha  contra a violência sobre as mulheres. O dia 25 Novembro é o Dia Internacional para a Erradicação da Violência Contra a Mulher e será celebrado nessa Campanha.

Violência doméstica matou mais de 30 mulheres este ano

A frase “Até que a morte nos separe”, remete “para a existência de um crescente número de mulheres vítimas de violência doméstica que são assassinadas pelos seus maridos ou companheiros conjugais”.APAV
O número de mulheres assassinadas este ano vítimas de violência doméstica já é superior ao total do ano passado. O Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta revela que até 15 de Setembro foram assassinadas 33 mulheres, mais seis do que durante o ano de 2011. A Comissão para a Igualdade do Género lança hoje uma campanha contra a violência doméstica que pretende chamar a atenção para os efeitos negativos nas crianças que assistem a actos de violência contra as mães.
Dos 64 casos de violência doméstica, de que a UMAR teve conhecimento, 33 terminaram com a morte da vítima, mais seis do que as registadas durante os doze meses de 2011. 
“Já estamos no maior número. Vai ser um ano trágico”, salientou Maria José Magalhães da UMAR em declarações à Antena 1. 
Para a presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta a crise económica que o país atravessa tem revelado um agravamento do fenómeno de violência doméstica. 
“A crise apresenta dois factores de agravamento do fenómeno da violência doméstica: por um lado, o agravamento da severidade dos actos, das agressões, e o aumento da frequência. Por outro, a falta de esperança das vítimas nesta situação. As vítimas não acreditam que possam reconstruir as suas vidas”, frisou. 
“Nós podemos ver que a diminuição das denúncias significa o aumento destes casos mais graves e letais de tentativas”, acrescentou. 
No entanto, Maria José Magalhães frisa que a “crise não aumenta a violência doméstica. Quem não era agressor não é com a crise que vai ficar. Há muitas pessoas desempregadas, muitos homens desempregados que não se tornam agressores por causa da crise. Agora o que é fundamental, até pelas condições económicas do país, é uma mudança das políticas sociais”. 
“Até que a morte nos separe”
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) também se associa à celebração do Dia Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres lançando uma nova campanha de sensibilização contra a violência contra as mulheres. 
“As imagens veiculadas nesta campanha implicam uma reflexão sobre os contrates existentes nesta problemática, os quais podem toldar a sua visibilidade social”, afirma a APAV no seu site. 
A campanha inclui “dois retratos de mulheres vítimas de violência doméstica, as quais apresentam marcas de vitimização no rosto e no pescoço. Estas mulheres estão vestidas de noiva, segurando um ramo de flores e ostentando o anel de noivado e a aliança de casamento”. 
Segundo a APAV, a frase “Até que a morte nos separe”, remete “para a existência de um crescente número de mulheres vítimas de violência doméstica que são assassinadas pelos seus maridos ou companheiros conjugais”. 
A campanha da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima arranca esta semana com anúncios na imprensa, mupis e o lançamento de um novo site sobre violência doméstica (www.apav.pt/vd) e será acompanhada, numa segunda fase, com um spot que será exibido nos canais RTP, SIC e FOX até 28 de Novembro  “ Cristina Sambado, RTP, 23 Nov, 2012

Leia mais:


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Versos do Tempo


Versos de Frio

Deixei que viesses
e para mim tangesses
a aliciante lira
da tua mentira.

Deixei que viesses
e que me prendesses
nos laços doirados
dos nossos pecados.

Deixei que viesses,
não por que te amasse.
Foi para que morresses
e eu não te chorasse
Maria Ondina Braga, in “ A rosa de Jericó – contos escolhidos”, Ed. Caminho

 As raízes do voo

São as cores?
Ou declarar-me assim a esta árvore?
Num sobressalto, desassossego
lento - as colmeias de ramos e de folhas,
o corpo em curvas densas,
as raízes,
e, delicadamente, o coração

Apaixonar-me e outra vez,
agora por um tempo de nervura
acesa, o fogo - e sem palavra que chegasse
para habitar o mundo:
são as cores, dir-lhe-ia,
ou os meus olhos?

E se faltar olhar, ouvido, cheiro, mãos,
ver-te sem ver, sentir-te sem sentir:
neste musgo e por dentro
poder perder-me, fingir-me distraída
pelo puro prazer de me fingir,
sem sossego nenhum
- aprender a voar -
pelo desassossego de um dedo
preso à terra

Mas se as asas faltarem,
serão sempre as cores,
uma leve impressão de nervos, digital,
de qualquer coisa

Há-de ser isto assim:
luz para além de azul,
paz muito além do verde a respirar
- ou eu, igual ao sol,
comovendo-me em ar e
por raízes -

Ana Luísa Amaral, In "Se fosse um intervalo", Publicações D. Quixote

Ano do Brasil em Portugal


"É o momento do Brasil despertar para a importância de Portugal”
O novo Espaço Brasil na Lx Factory, em Alcântara, pretende ser o centro cultural das artes contemporâneas daquele país em Lisboa e é considerado pela ministra da Cultura brasileira, Marta Suplicy, que esteve na capital até segunda-feira,(19 de Novembro), como "um legado do Brasil a Portugal", na medida em que é "bastante sofisticado e contemporâneo".
Este espaço de 1200 metros quadrados - um armazém restaurado por Aby Cohen e com decoração do jovem artista plástico brasileiro Derlon - tem uma sala de espectáculos (com 400 lugares sentados e 900 de pé), uma galeria de arte, um bar chamado Brasileirinho, uma área para gastronomia e ainda um cineclube (de 40 lugares que abrirá mais tarde), e vai ficar para além deste Ano do Brasil em Portugal, que termina a 10 de Junho de 2013. Os brasileiros querem que ele seja um ponto de encontro com a sua cultura e será inaugurado por Marta Suplicy às 20h. Para já, a promessa é que ficará para lá de 2013.Numa conferência de imprensa ontem, em Lisboa, em que participaram também o embaixador brasileiro Mário Vilalva e o comissário-geral do Ano do Brasil em Portugal, Antonio Grassi, a ministra, que está no cargo há 50 dias, afirmou que os dois países têm "ainda um caminho a percorrer" e que esta celebração é uma possibilidade de "afivelarmos os nossos laços e nos aproximarmos não só na cultura, mas empresarialmente e tecnologicamente".

O Espaço Brasil vai ter uma programação que saia de fora do eixo Rio-São Paulo, que é o Brasil que os portugueses conhecem através das telenovelas. O espaço teve um investimento de 1,6 milhões de euros, patrocinados pela empresa Embratur, um braço do Ministério do Turismo brasileiro. A 16 de Novembro, à noite, será inaugurada a exposição O Brasil na Arte Popular - acervo do Museu Casa do Pontal e haverá também um concerto da fadista Mariza e o espectáculo Baile do Simonal, concebido e produzido por Max de Castro e Wilson Simoninha, filhos do famoso cantor dos anos 1960 Wilson Simonal.
Já há programação até meados de 2013, mas o comissariado vai estudar qual a melhor forma de dar continuidade para que passe a ser um novo espaço para apresentações artísticas em Lisboa, já que tem uma dimensão média, com características diferentes das salas que já existem na capital. "O futuro da utilização do espaço vai depender também da programação que se vai desenvolver", explicou Antonio Grassi. O acordo de ocupação está assinado até ao final do próximo ano, acrescentou o comissário.
Este é o momento
"Portugal vive um momento diferente do que nós vivemos", disse a ministra da Cultura, lembrando que partilhamos a mesma língua e, por isso, o nosso "grande parceiro é o Brasil". O investimento que o Brasil está a fazer neste Ano do Brasil em Portugal é que "nunca tinha sido feito deste porte na área da Cultura". E, para Marta Suplicy, "o Brasil ainda não despertou na sua importância com a parceria com Portugal em outras áreas que não as culturais" e "este é o momento". "Outros parceiros estão surgindo em Portugal, mas a companhia de energia foi comprada por chineses, e eu acredito que este é o momento que o Brasil poderia estar mais presente na economia portuguesa. O sector empresarial brasileiro ainda não acordou e não percebeu a importância de o Brasil estar nessa jornada. É um momento único. O que eu puder contribuir para isso, eu farei."
Nesta sua primeira visita oficial será recebida pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e visitará museus, o atelier de Joana Vasconcelos e as Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, nas Caldas da Rainha.
Apesar dos laços que existem entre os dois países, para a ministra, no mundo moderno, Brasil e Portugal não se conhecem tão bem. E essa é a grande oportunidade para ambos experimentarem o que há de mais contemporâneo nas suas culturas.
Tanto a ministra como o comissário consideram que o Ano do Brasil em Portugal tem "superado as expectativas": 247 apresentações artísticas e 17 exposições, eventos que se estendem por 43 locais em diversas cidades portuguesas e um orçamento superior a 6 milhões de euros. Recentemente, encerraram os concursos para a participação de músicos no Ano de Portugal no Brasil e receberam mais de 3000 propostas para espectáculos. "Há um interesse enorme de os artistas estarem aqui", concluiu Grassi. “ Por Isabel Coutinho, Público16.11.2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os males da Europa


Todos os males da Europa

"O velho continente enfrenta, ao mesmo tempo, uma crise económica moderada, uma grave crise política, uma dramática crise de civilização e uma crise espiritual que pode ser mortal, avisa o filósofo polaco Marcin Król.
Sabemos que a Europa esteve quase sempre em crise. A diferença entre uma apreensão permanente da crise tal como era sentida no passado e a situação actual tem a ver com o facto de que, antigamente, a Europa mantinha uma capacidade de auto-reflexão e autocrítica que lhe permitia ultrapassar as crises sucessivas. Essa faculdade já não está ao seu alcance. A Europa de antes já não existe, simplesmente.
É-nos difícil imaginar o futuro do mundo sem a Europa, talvez não a Europa líder, mas a Europa portadora de normas básicas, bem como de princípios para nós próprios e para as gerações futuras. A Europa é a nossa forma de existência, a única que temos. Quando a Europa foge, desaparece e enfraquece ao extremo, olhamos para ela sem saber o que fazer.
O medo intelectual e espiritual
Na maior parte das vezes, surgem três tipos de resposta. A primeira faz apelo a um regresso às soluções já experimentadas, sob as suas diversas formas de Estado-Providência ou social-democrata.
O segundo tipo de resposta consiste em dizer que a crise não é nem única nem principalmente de natureza económica e exige uma mudança política. Entre as visões políticas mais características encontramos a de uma Europa federal, ligada por fortes laços internos. Esta visão simpática é, no entanto, tão velha quanto a Europa e sempre se mostrou errónea. O seu maior defeito é que não há uma única sociedade europeia que deseje uma Europa federal, pela simples razão de que, mesmo que conseguíssemos criá-la, essa Europa seria completamente diferente daquilo que consideramos como a nossa forma de existência.
Por fim, o terceiro tipo de resposta baseia-se na convicção de que a retoma económica irá melhorar automaticamente todos os domínios da vida europeia.
Todas estas respostas têm uma coisa em comum: buscam a solução no presente. Queremos resolver as questões aqui e agora, utilizando, de preferência, meios bem conhecidos, mas usando-os melhor. Fazemos apelo às medidas habituais, não por falta de imaginação ou de coragem, mas por que não sabemos como agir de outra maneira. Se pensarmos bem, poderemos dizer que o que caracteriza, em primeiro lugar, a Europa de hoje é o medo. E não é o medo de um possível colapso da moeda, mas sobretudo o medo intelectual e espiritual.
Os problemas são conhecidos
O actual estado de impotência da Europa foi induzido pelas quatro grandes fracturas da espiritualidade e do espírito dos tempos modernos. A primeira oposição é entre a religião e o mistério como chave de compreensão do mundo e a afirmação de que a religião é uma superstição. A segunda é o nacionalismo e o Estado-nação contra os valores e as práticas do universalismo. A confrontação entre o utilitarismo, ou a procura do prazer e a propensão dos indivíduos para se circunscreverem a objectivos prudentes e limitados é a terceira fractura  Seguida daquela que separa a democracia, ou seja, a comunidade e o liberalismo como motores da liberdade individual.
Sabemos quase tudo sobre a crise Actual  Os economistas brilhantes sabem perfeitamente que é impossível suportar a amplitude das dívidas públicas, que a Grécia há muito que ultrapassara os limites, e que deixar a especulação financeira escapar a todo o controlo dos governos conduziria à catástrofe.
Não ignoramos o declínio demográfico e os desastres que estão para vir em áreas como as reformas, a saúde e a educação. […] Tudo isto é bem conhecido, mas os políticos não querem ver ou não são capazes de compreender intelectualmente esses problemas.
Qualquer reacção séria requer decisões impopulares e é isso o que mais temem os responsáveis políticos das democracias actuais  Digamos simplesmente que, por exemplo, a reforma das pensões recentemente introduzida em quase todos os países europeus deveria ter sido posta em prática há dez anos para poder dar resultado. Acrescentemos também que os especialistas em educação da UE pressionam a educação europeia a substituir as universidades por escolas profissionais, o que testemunha uma incompreensão total do facto de as ciências humanas se apoiarem na filosofia e as ciências puras na matemática. Actualmente, estas disciplinas são as menos subsidiadas.
Determinar o interesse comum
Sabemos tudo isto. O nosso problema não é a incapacidade em prever, mas a nossa relutância em agir. Além do mais, os métodos técnicos de saída da crise, preconizados por muitos economistas, são tão ineficazes economicamente como totalmente inadaptados para eliminar as fontes subjacentes, espirituais e intelectuais desta crise.
A democracia enquanto ideia de comunidade por natureza deve referir-se a todos os cidadãos. Deve excluir qualquer carácter elitista, tendo em conta a irracionalidade tanto à escala individual como colectiva  Para unir estes dois elementos convém explicar à comunidade democrática o que é exactamente o seu interesse comum ou, então, produzir um estado de emoção colectiva quando esse interesse é claramente visível (aquilo a que, no passado, chamávamos patriotismo). O interesse comum consegue, mais do que o bem comum, unir os cidadãos, apesar das divergências de convicções sobre muitas questões.
No entanto, para determinar qual é o interesse comum, precisamos de compreender quais são os interesses particulares ou de grupo. Também precisamos de saber como construir as prioridades e hierarquizar os interesses. Só um consenso sobre essa hierarquia nos permitirá seguir em frente, muito para além da simples correcção da presente situação. Actualmente  tal coisa é impossível."
Por Marcin Król,  em Polska The Times Varsóvia, 12 Novembro 2012

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Uma canção para sempre

Nina Simone em " Isn't it a pity", uma longa melodia, uma canção para sempre. A voz que dá forma diferente às palavras e  faz emergir o talento de uma grande artista. O piano, a voz , as palavras  numa simbiose perfeita.

Isn't it a pity
you don't know what i'm talking about yet
but i will tell you soon
it's a pity

isn't it a pity
isn't it a shame
yes, how we break each other's hearts
and cause each other pain

how we take each other's love
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to remember
just forgetting and no thank you
isn't it a pity

some things take so long
but how do i explain
why not too many people can see
that we are all just the same
we're all guilty

because of all the tears
our eyes just can't hope to see
but i don't think it's applicable to me
the beauty that surrounds them
child, isn't it a pity

how we break each other's hearts
and cause each other pain
how we take each other's love
the most precious thing
without thinking anymore

forgetting to give back
forgetting to keep open our door
isn't it a pity
isn't it a pity

some things take so long
but how do i explain
isn't it a pity
why not too many people
can see we're all the same

because we cry so much
our eyes can't, can't hope to see
that's not quite true
the beauty that surrounds them
maybe that's why we cry
God, isn't it a pity

Lord knows it's a pity
mankind has been so programmed
that they don't care about nothin'
that has to do with care
c-a-r-e

how we take each other's love
the most precious thing
without thinking anymore
forgetting to give back
forgetting to keep open the door

but i understand some things take so long
but how do i explain
why not too many people
can see we're just the same

and because of all their tears
their eyes can't hope to see
the beauty that surrounds them
God, isn't it a pity
the beauty that surrounds them
it's a pity

we take each other's love
just take it for granted
without thinking anymore
we give each other pain
and we shut every door

we take each other's minds
and we're capable of take each other's souls
we do it every day
just to reach some financial goal
Lord, isn't it a pity, my God
isn't it a pity, my God
and so unnecessary

just a little time, a little care
a little note written in the air
just the little thank you
we just forget to give back
cause we're moving too fast
moving too fast
forgetting to give back

but some things take so long
and i cannot explain
the beauty that surrounds us
and we don't see it
we think things are just the same
we've been programmed that way

isn't it a pity
if you want to feel sorry
isn't it a pity
isn't it a pity
the beauty sets the beauty that surrounds us
because of all our tears
our eyes can't hope to see

maybe one day at least i'll see me
and just concentrate on givin', givin', givin', givin'
and till that day
mankind don't stand a chance
don't know nothin' about romance
everything is plastic
isn't it a pity
my God.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Mar




De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar", in "Poesia I",1944, Ed. Caminho

Adeus



"Olho o monte de páginas que ficará no meu lugar na paz de um campo que tratei sozinho: resta-me voltar para casa e fechar a porta.
O meu trabalho está praticamente terminado. Escrevi os livros que queria, da maneira como queria, dizendo o que queria: não altero uma linha ao que fiz e, se me dessem mais cem anos de vida em troca deles, não aceitava. Era exactamente isto que ambicionava fazer. Há uns dez dias acabei o último. Se tiver tempo, e embora a obra esteja redonda
(sempre esteve na minha cabeça deixar a obra redonda)
é possível, seria possível acrescentar uma espécie de post-scriptum. Não sei se vou fazê-lo. Sai um livro em 2012, para o ano uma colecção destes textozitos, em 2014 o que agora terminei e uma última coleção destas prosinhas e acabou-se. No caso de continuar capaz farei então a tal espécie de post-scriptum. E, após isso, ninguém lerá uma só palavra posta por mim num pedaço de papel. Tenho a certeza do valor da minha obra e orgulho-me dela. Em certa medida, no entanto, não me considero o seu autor: foi-me ditada e afigura-se-me um pouco desonesto que o meu nome esteja na capa. O que rodeia a literatura, todas estas traduções, todos estes prémios, todo o ruído que acompanha o sucesso, nunca foi muito importante para mim. Não o é nada agora. Olho o monte de páginas que ficará no meu lugar na paz de um campo que tratei sozinho: resta-me voltar para casa e fechar a porta. Outros que cuidem dele se o entenderem: já não me diz respeito. Se há pessoas que olham o que construí como difícil de entender é porque não compreendem a complexidade da vida, e isso não é culpa minha, é defeito delas. Von Neumann, o descobridor da teoria dos jogos, enunciou-o claramente há anos, ao explicar o problema das variáveis vivas e das variáveis mortas. E as variáveis mortas, tal como ele o demonstrou, são quase inúteis. Basta encostar o ouvido às coisas e a nós mesmos, encostar com atenção o ouvido às coisas e a nós mesmos para nos apercebermos disso. O medo de saber apavora-nos. A ideia de tomar consciência arrepia-nos. Recusamos a possibilidade de viver no interior de nós mesmos. O facto de um livro contar uma história apazigua o nosso lado infantil. Não serve de nada salvo para nos tranquilizar. E continuarmos por fora do que nos inquieta, nos assusta, nos alerta: não escrevi a fim de trazer paz a ninguém. Não me interessou entreter nem divertir nem agitar bichos de peluche diante de pessoas crescidas. Fiz livros para adultos de pé e olhos abertos. Numa conversa com George Steiner, quando eu gabava o Monte dos Vendavais ele interrompeu-me brandamente
- Não acha um bocado histérico?
ao princípio protestei, depois calei-me, depois dei-lhe razão. O facto é que eu não tinha sabido ler. O facto é que eu tinha, sem dar conta disso, pedido um sininho para adormecer. Steiner estava certo e eu errado. Erro muitas vezes, aliás. Mas estou seguro que não errei no meu trabalho, e foi extenuante encontrar a minha voz tal como cada frase me é, me foi sempre extenuante: é a mão que escreve mas o corpo inteiro paga caro, e o cansaço físico de cada dia de escrita é imenso. Para além disso, ao corrigir, metade do que fiz, mais de metade do que fiz, segue para o lixo. Demasiada carne, demasiada gordura até chegar ao osso. A partir de agora, nem mais uma entrevista para um jornal que seja, uma televisão, uma rádio. O que tenho a dizer escrevi-o. Quem tiver olhos que leia, quem não conseguir ler desista. Todas as frases ditas pelo autor são supérfluas. E, a maior parte das vezes, pior que supérfluas: erradas. Não é possível falar racionalmente do que não é racional, explicar o que se passa antes das palavras, desarticular o que é feito de uma peça apenas e a vida do autor só para ele mesmo e, na melhor das hipóteses, para mais meia dúzia de criaturas, poderá ter interesse. A arte, mistério impenetrável, não cabe na razão lógica e qualquer tentativa de a desmontar será sempre inútil. Se fosse possível desmontá-la não seria arte. Permanecerá para sempre secreta e insolúvel. Pode bordar-se em torno mas fora da muralha, nada tem que ver com a inteligência, a razão, o raciocínio dedutivo: existe em si mesma, por si mesma e para si mesma, apenas permeável ao inconsciente e, no entanto, ao tocar-nos no inconsciente muda a nossa percepção do mundo e de nós mesmos em consequência de um mecanismo que nos escapa. Só o mistério nos faz viver, insistia Lorca, só o mistério nos faz viver.
Pelo teu amor dói-me o ar
o coração e o chapéu.
Isto, aparentemente, não significa nada e, no entanto, faz-nos vibrar como cordas. Julgo que, até hoje, foi Pitágoras quem mais se aproximou da compreensão visceral da criação. A gente lê-o, sente-o a um pequeno passo da solução e dá fé que esse pequeno passo nunca será esboçado porque não é possível avançar.
O meu trabalho está praticamente terminado. O resto fica por vossa conta e eu estarei muito longe já. É inevitável. Governem-se, se forem capazes, com a chave que vos deixo, se é que ela existe, ou não existe, ou existem várias, ou existem muitas, mudando constantemente. De cada vez, por exemplo, que oiço um quarteto de Beethoven oiço música nova. Como se pode agarrar, digam-me lá, o que constantemente muda?"
António Lobo Antunes em " Adeus", Crónica publicada na revista  Visão, em  25 de Outubro de 2012